GOVERNOS BUSCAM GESTÃO PRIVADA PARA PARQUES
por Luciano Máximo
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Com orçamentos apertados, governos de todas as esferas administrativas estão se abrindo em grande escala para o setor privado marcar território na gestão ambiental. Levantamento do Valor mostra que estão em andamento 42 projetos privatizantes de concessão, permissão e parceria público-privada (PPP) de parques públicos espalhados por 16 Estados e no Distrito Federal, do Amazonas ao Rio Grande do Sul.
São 18 iniciativas federais, sete estaduais e 17 municipais em diferentes fases de execução para selar parcerias com empresas para atuação em serviços e na gestão de parques públicos, florestas nacionais e uma reserva extrativista. O arranjo institucional mais usado pelo governo federal, por governos estaduais e prefeituras é a concessão, com 30 projetos identificados.
Há ainda cinco PPPs sendo desenvolvidas e duas operações de permissão em que poder público licencia pessoa física ou jurídica para desenvolver atividades dentro do parque, como serviço de guia, recreação ou pequeno comércio. Não há modelagem de licitação definida em cinco projetos.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia do Ministério do Meio Ambiente responsável pelos parques nacionais, os editais dos 18 processos federais de concessão e permissão estão em processo de avaliação por sua procuradoria. Ainda não existe informação sobre geração de receitas com outorga em nenhuma esfera administrativa.
Para especialistas, a tendência no curto prazo é de surgimento de mais projetos privatizantes, todos marcados pela mesma conjuntura: ano a ano governos criam mais parques em detrimento da redução orçamentária para manutenção e manejo dessas áreas.
Nos últimos cinco anos, dez novas unidades de conservação ambiental (UCAs) foram acrescidas à lista que agora soma 73 territórios sob responsabilidade da União. Há ainda 60 áreas na fila para se tornarem lotes protegidos por lei. Conforme dados oficiais, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente voltado especificamente para gestão ambiental caiu 40% entre 2013 e 2016, de R$ 832 milhões para R$ 496,6 milhões.
Em São Paulo, onde a gestão do prefeito João Doria (PSDB) prepara a concessão de todos os 107 parques urbanos municipais, foram criadas 58 áreas entre 2008 e 2016. No mesmo período, o orçamento do setor saiu de R$ 211 milhões para R$ 146 milhões, queda de 30%.
Para Bruno Ramos Pereira, sócio-fundador da Radar PPP, a concessão tradicional favorece governos em dois aspectos fiscais. "Tem potencial para gerar outorga para o poder concedente e tira uma linha de custo do orçamento público, que é transferida para o vencedor da licitação. O concessionário ganha na cobrança de tarifas e exploração de serviços dos parques", diz ele.
A criação de áreas protegidas por lei é uma das principais medidas de política ambiental de governos no Brasil e no mundo. É recomendada por tratados e acordos internacionais entre nações e tem como grande objetivo proteger a biodiversidade e mitigar riscos, como o das mudanças climáticas ou de crises hídricas, por exemplo.
O descasamento entre novos parques e orçamento adequado não é realidade só brasileira. "Ambiente é sempre uma área muito impactada na disputa por recursos de um governo. Por isso parcerias com empresas são necessárias, desde que feitas com planejamento e transparência. Elas já ocorrem no mundo todo há muito tempo, mas o Brasil ainda está amadurecendo. Começamos tarde, o perfil do nosso gestor é mais voltado para conservação, não tanto para [a prestação de] serviços", avalia Anna Carolina Lobbo, coordenadora do Programa Mata Atlântica e Marinho do WWF Brasil.
Autoridades em todo o país não escondem o problema da falta de recursos e tratam a entrada de operadores privados na exploração de serviços e gestão dos parques como uma espécie de salvação. "Trabalhamos na margem da miserabilidade. Dinheiro para zeladoria, manejo, vigilância acabou em maio, e a suplementação veio aquém. Temos 80 parques em situação de maltrato intensa. Seguramos a peteca como Deus permite, porque não temos recursos. Juntamos nossos trapinhos e colocamos gente [mutirões] para roçar, podar, pedimos doação de empresários", disse Gilberto Natalini, secretário municipal do Verde e Meio Ambiente de São Paulo.
Em evento que anunciou o início do processo de desestatização dos parques nacionais, no fim do ano passado, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, declarou que a exploração de serviços pela iniciativa privada pode tornar os parques nacionais mais rentáveis. "Não vislumbro outro caminho que não o da parceria."
Estudo do Fórum Econômico Mundial aponta que os parques nacionais brasileiros recebem 7,1 milhões de visitantes e faturam US$ 16 milhões por ano; nos Estados Unidos são 307 milhões de visitas e faturamento de US$ 17 bilhões. De acordo com informações do Instituto Semeia, entidade que fomenta a participação privada nesse setor, os parques nacionais brasileiros recebem 1,1 visitante por hectare por ano. Na Argentina, esse indicador é de 2,6. Nos EUA, de 3,5. Em 2015, quase 50% dos parques nacionais não receberam visitantes e cerca de 70% da visitação total está concentrada nos únicos quatro parques nacionais concedidos: Fernando de Noronha (PE), Iguaçu (PR) e Tijuca (RJ), operados, via concessão, pelo Grupo Cataratas, e Serra dos Órgãos, operado pela Hope Serviços.
"Com a concessão o governo não investe nada e tem linhas de ganho, principalmente com criação de emprego onde não tinha e maior arrecadação. Mas para isso parar de pé tem que ter visitação relevante com cobrança de ingresso, para dar receita", diz Bruno Marques, presidente do Cataratas.
Em geral, nos municípios os parques têm áreas menores, e as prefeituras buscam delegar a administração total do ativo. Já nos imensos territórios dos parques nacionais, o arranjo da concessão dá às empresas o direito de explorar serviços relativos à visitação em áreas definidas e atividades comerciais e de recreação e lazer. Administração e conservação seguem com o poder público.
Camila Rodrigues, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), defende o fortalecimento da regulação e do controle social por parte dos poderes concedentes à medida que a onda privatizante avança sobre os parques públicos. "O Estado tem que melhorar a estrutura de regulação, não pode lavar as mãos, deixar de monitorar. Alguns princípios da gestão pública devem ser mantidos: prestação de contas, discussões sobre os diferentes contratos, equilíbrio maior entre os interesses público e privado."
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