Jornalista especializado em turismo baseado na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo
O mais antigo e o maior vencedor do Festival Folclórico de Parintins
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A Associação Folclórica Boi-Bumbá Garantido, conhecida como Boi Garantido, é um dos dois bois folclóricos que competem anualmente no Festival Folclórico de Parintins, Município situado na margem Sul do Rio Amazonas, próximo à fronteira com o Estado do Pará. Alguns dizem ter ele 101 anos de idade, pois teria sido fundado em 24 de junho de 1913. Mas, na verdade, está com 94, pois foi criado mesmo em 12 de junho de 1920.
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Seu criador foi Lindolfo Monteverde, descendente de negros nascido em 1902 e falecido em 1979. Ele tinha recém-entrado na idade adulta quando decidiu colocar na rua um boi-mirim, grupo de brincadeiras muito comum pelo Norte e Nordeste do Brasil até os dias de hoje. Assim, apareceu o Boizinho de Curuatá, na região Baixa do São José, uma vila de pescadores. E que veio ao mundo devido a uma dívida pessoal com São João Batista.
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Lindolfo Monteverde tinha sido acometido de uma grave doença, quando servia ao Exército. Já quase desenganado, fez uma promessa ao seu santo de devoção: se ficasse curado, iria realizar, todos os anos, uma ladainha e uma festa de boi em homenagem ao salvador. Atendido naquele pedido, foi só recuperar a saúde e cumpriu a palavra. No início da noite mais longa do ano, lá estava ele e um grupo de moradores festejando no meio da rua.
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Os mais antigos contavam que a apresentação começou com uma ladainha. Depois, distribuição de aluá — doce feito com leite, açúcar e castanhas trituradas —, bolo de macaxeira (mandioca) e tacacá: mingau bem ralo, de goma de tapioca temperado com tucupi (molho obtido a partir do suco de mandioca ralada), jambu (erva usada como tempero, com ação anestésica), camarão e pimenta. No final, muito forró, animando o povo noite adentro.
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Como a repercussão desta primeira festa entre a pequena população local foi enorme, e a garantia de Lindolfo Monteverde de repeti-la a cada 365 dias enquanto vivesse, a partir de então a noite de 24 de junho passou a ser uma das mais esperadas do ano. O evento foi crescendo e ultrapassou os limites da modesta via de terra batida, conhecida como Estrada Terra Santa, atual Avenida Lindolfo Monteverde, localizada no lado Oeste da cidade.
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Primeiro, começou a desfilar pelas ruelas do bairro, parando em frente a todas as casas que mantivessem fogueiras acesas. Depois, avançou sobre outros bairros de Parintins. E a programação cresceu, acrescentando-se uma saída para acordar os moradores, ao alvorecer do dia 12 de junho, data de aniversário do boi Curuatá. Ninguém se importava de ser tirado da cama bem cedo pelo grupo seguindo um boi com a marca de um coração na testa.
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As cores branca e vermelha foram sendo adotadas pela torcida de gente simples, humilde, crescendo dia após dia. Tanto que logo o Curuatá estava batizado como o Boi do Povão. Aquela apoteose crescente incentivou outros moradores a criarem bois semelhantes. E da quantidade surgiu aquele que se tornaria seu único rival. E do qual evitam pensar, falar ou mesmo escrever o nome. Referem-se a ele apenas como o boi Contrário.
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A partir de então, o que era festa simples tornou-se competição séria, de grande animosidade. E nesta batida o Curuatá acabou rebatizado. O novo nome veio das toadas compostas por Lindolfo Monteverde. Nos versos, ele lembrava aos rivais que seu bumbá sempre saía inteiro dos confrontos de ruas, na época rotineiros. Dizia, orgulhoso: “Nas brigas com os contrários, a cabeça de meu boi nunca quebra ou fica avariada. Isso é garantido!”
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A brincadeira foi evoluindo e a fama da rivalidade entre os bois-bumbá de Parintins, ganhando o mundo. A Prefeitura local e o Governo do Estado viram naquilo um excelente chamariz para aumentar o número de turistas visitando o Estado do Amazonas. E deram início à institucionalização e à melhor organização da festa. Em 1965, surgia, então, o Festival Folclórico de Parintins. Mas nesta primeira edição não houve participação dos bois.
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A competição entre Garantido e seu contrário começa a tomar a forma atual no ano seguinte. E, a partir daí, a festa alcança uma dimensão inimaginável para o jovem humilde que montou um boizinho para pagar uma promessa. Presenciado por pessoas de todas as partes do mundo, transmitido ao vivo pela televisão e via Internet, o Festival rivaliza com os maiores eventos do País, como o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, por exemplo.
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Em sua história, vêm sendo atribuídos apelidos carinhosos ao Garantido, além daquele inicial, Boi do Povão. Boi da Promessa e Boi do Coração são alguns, mas Brinquedo de São João é o mais popular, o mais duradouro, sendo de autoria do próprio Lindolfo Monteverde. Ele ficou à frente da agremiação durante 60 anos, até sua morte, em 1979. A partir daí, a gestão passa à família Faria, no que é considerada a Era de Ouro do Garantido.
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A Família Faria foi a principal colaboradora do Boi Garantido durante o período em que os bois não recebiam apoio financeiro, seja de empresas privadas ou Governos. E eram rotulados como festa popular para pessoas de classe baixa. Com o suporte da Loja Jotapê, de José Pedro Faria, seus filhos Zezinho e Paulinho comandaram o Garantido por duas décadas: do final dos anos 1960 até a chegada de investimento externo, nos anos 1990.
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Tanto que a matriarca, dona Maria Ângela Faria, tornou-se a Madrinha do Boi. E ainda viva começou a ser homenageada todos os anos, na alvorada do dia 12, com os brincantes passam em frente à casa em que vivia. Outra tradição mantida neste quase um século de existência do Garantido é a de se cumprir a ladainha. Ela acontece todo início de noite em 24 de junho, na antiga sede — curral — do boi, situado na Avenida Lindolfo Monteverde.
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Dona Maria Ângela foi a responsável por uma mudança significativa no visual do boi. Até meados dos anos 1980, o coração da testa do animal era na cor preta. Ela sugeriu que ele fosse pintado de vermelho, e a sugestão foi prontamente executada pelo artista Jair Mendes. Com os Faria à frente, o Garantido dá início a uma época de muitas vitórias, tendo conquistado o único pentacampeonato até agora do Festival Folclórico: de 1980 a 1984.
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Em 1975, foram dois festivais. O primeiro, promovido pela Juventude Alegre Católica, na quadra de esportes da Rua Jonathas Pedrosa, onde está o Centro de Atendimento ao Turista. Era o local onde acontecia a disputa até o advento do Boibumbódromo. O segundo, pela Comissão Central de Esportes, no Parque das Castanholeiras, hoje Quadra Padre Sílvio Mioto, na Rua Sá Peixoto, reduto do boi contrário. O Garantido venceu os dois.
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A década de 1980 foi de glórias para o boi-bumbá mais querido do Brasil. Em 1980, o artista plástico Jair Mendes idealizou a apresentação que daria início aos cinco campeonatos seguidos. Nesse período, também, vieram os movimentos no boi-evolução. Foram três anos de vitórias nos festivais no Estádio Tupycantanhede. E mais dois, em 1983 e 1984, no Anfiteatro Messias Augusto, no mesmo local onde está agora o Boibumbódromo.
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O Garantido foi, também, o ganhador da primeira competição nesta nova arena, especialmente construída para as disputas, inaugurada em 1988. Para isto, ajudaram a força de sua galera, uma toada memorável e a introdução de inovações que, dali em diante, mudariam completamente a concepção das alegorias, chegando à perfeição que se vê hoje em dia. Não dá para acreditar o que aquele povo quase isolado do mundo é capaz de produzir.
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Na Vaqueirada, o Garantido trouxe lanças enfeitadas com metaloide, em vez do então tradicional papel de seda. No bloco musical, destaque para “Mãe Catirina”. A toada fez tamanho alvoroço na torcida vermelha que os responsáveis pela obra deixaram a ilha no início da manhã do segundo dia de Festival, por medo de que a construção viesse abaixo desabasse. Mas parafusos foram achados nos corredores sob a arquibancada após a festa.
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Com a derrota, os contrários apelidaram os vencedores de Boi Carnaval. Mas, na festa seguinte, copiaram todas as ideias. Não foi suficiente. O Garantido venceu em 1989, festival que marcou a despedida de Zezinho Faria do comando com a célebre frase: “A partir de agora, os bois já podem caminhar com suas próprias patas”, em referência à nova era em que ambas as agremiações seriam patrocinadas por Governos e grandes empresas.
Ali encerrava-se o período durante a qual o Boi da Baixa vencera oito das últimas 10 disputadas. Era o início dos anos de Zé Walmir como presidente do Garantido. Se o irmão Zezinho renunciou, Paulinho Faria continuou. E, em 1991, foi responsável por verdadeiro escândalo. Contratou o compositor dos contrários, Chico da Silva, para fazer toadas também para o Garantido. Sob protestos de ambos os lados, o artista criou a linda “Boi do Carmo”.
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A canção faz uma homenagem à Padroeira de Parintins, Nossa Senhora do Carmo. Para o outro grupo, fez “Missionário da Luz”, em homenagem ao curandeiro Waldir Viana. O Garantido abriu a noite do primeiro dia com uma apresentação modesta. Os adversários já cantavam vitória. Mas na apresentação deles um temporal destrói as alegorias. Sem tempo de serem recuperadas para os dois dias seguintes, Garantido foi sagrado campeão.
Em 1993, Braulino Lima entregou “Tic-tic-tac”, integrando a temática “Rio Amazonas, este rio é minha vida”. A expressão refere-se ao som das caixinhas de guerra, que, junto com o tambor, são a essência do ritmo do boi-bumbá. Gravada pelo Grupo Carrapicho, tornou-se sucesso em todo o País. Levada para a França em 1996, alcançou fama internacional em 1997. Parintins, Garantido e até mesmo o rival tornaram-se ícones mundiais.
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Em 1996, Chico da Silva produziu “Vermelho”. Durante a produção do CD, desentendeu-se com a diretoria do Garantido e retirou seu trabalho da gravação. Mas, antes mesmo de executada nas rádios, já era conhecida por toda a população amazonense, sucesso decorrente apenas da execução nos ensaios. A diretoria fez acordo com Chico e ela voltou ao CD. Estourou no restante do Brasil após gravada pela intérprete baiana Márcia Freire.
Não demorou muito, extrapolou as fronteiras nacionais e virou a sensação do Festival do Avante, em Portugal. Fafá de Belém também regravou a canção no seu álbum intitulado “Pássaro sonhador”, com grande sucesso. De acordo com o jornal Folha de São Paulo, “Vermelho” foi a música mais executada nas rádios do Brasil naquele ano. E a composição se tornou parte dos bens imateriais do patrimônio cultural do Estado do Amazonas.
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Em 1997, o sambista Jorge Aragão compôs, para o Garantido, “Parintins para o mundo ver”. Tema do boi naquele ano, foi mais um sucesso daquele álbum marcando a vitória do vermelho e branco após três derrotas seguidas para o contrário. O autor decidiu regravá-la em 1999. Em 2001, foi incluída no CD “Millennium”, com suas maiores composições. Ele faria mais duas para o boi: em 1998, “Garantido eu sou”; em 2010. “Paixão de Parintins”.
Com apresentações cada vez mais modestas, o Garantido entrou em uma crise financeira após o Festival de 2008. Credores ganhavam na Justiça o direito sobre os bens da agremiação. Um associado chegou a denunciar que a entidade devia um total de R$ 12 milhões, e que não passava de massa falida. O Curral da Baixa, símbolo do Garantido, foi leiloado duas vezes para pagamento de dívidas. A agremiação conseguiu comprá-lo de volta.
Em maio de 2009, a grande enchente do Rio Amazonas inundou a Cidade Garantido, o local onde são produzidas as alegorias. Retiradas dos galpões, foram levadas para a praça em frente ao Boibumbódromo, em um percurso de mais de três quilômetros. Vieram as chacotas por parte dos contrários. Nas ruas, nas rádios, nos jornais, nas festas e na Internet, os torcedores do Garantido eram classificados como “alagados”, “afogados”, “atolados”...
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Para piorar mais ainda a situação, devido à má administração, o Garantido deixou de receber vários recursos. Os artistas trabalhavam sem receber o salário. O Ministério Público do Trabalho embargou a montagem das alegorias ao ar livre, alegando não haver condições de salubridade para os trabalhadores. Muitos acreditaram que, pela primeira vez, desde o início do Festival, faziam 43 anos, o vermelho e branco não apareceria na arena.
Mas o Garantido estava lá na noite de 27 de junho de 2009. Sem curral, sem galpão, sem crédito, sem dinheiro, mas com uma galera arrasadora e um time de itens individuais impecáveis. E iniciou sua apresentação sob o comando de Israel Paulain. Apesar da proibição do Ministério Público, continuaram produzindo as alegorias. Quando as autoridades, depois de idas e vindas, conseguiram embargar, os trabalhos estavam quase prontos.
Como tudo foi feito ao ar livre, os conjuntos cresceram em tamanho, causando grande impacto na arena. O acabamento foi simples, mas bem-feito. Para dar mais efeito, um guindaste trazia itens como a coruja branca, vinda do Céu, no Ritual Deni. No bloco Artístico (Alegorias, Lendas, Ritual etc.), perdeu para o contrário por pequena diferença. E venceu por pequena diferença no bloco dos itens (Pajé, Cunhã-poranga, Sinhazinha etc.). E ainda o pajé do contrário quebrou a perna no meio do Festival.
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Em 2011, o Garantido adotou como tema Miscigenação, também nome da toada mais executada naquele ano. Com organização primorosa, foram dois os grandes destaques: a alegoria do Jaguar, na primeira noite, com um coração batendo no peito, e a performance do levantador Sebastião Júnior, na segunda. Como o Boto, fez par com uma cabocla na coreografia das tribos Matawi Kukenan, executada pelos próprios nativos dentro da arena.
A apuração foi bastante tensa, com uma diferença mínima de um boi para outro até o final. Na primeira noite, o contrário venceu com 4 décimos de diferença. Na segunda e terceira noites, o Garantido ganhou por 3 décimos. Mais uma vez, o chamado Bloco Musical decidiu o festival em favor do vermelho e branco: Apresentador, Levantador, Batucada, Amo do Boi, Toada (letra e música), Galera e toda a organização do conjunto folclórico.
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Em 47 festivais, o Garantido venceu o festival por 29 vezes, incluído aqui o empate de 2000. Depois de passar por altos e baixos, sua estrutura atual é de fazer inveja a muitas empresas médias brasileiras. Além de manter os espaços que fazem parte da sua história, comprou o complexo da antiga Fabriljuta, no quilômetro 1 da Rodovia Odovaldo Novo, um amplo local que abriga seus galpões e todas as instalações administrativas necessárias.
Gerindo contratos de exploração de imagem e de merchandising, cessão de uso da marca, comércio de souvenires oficiais e muito mais, pode ser considerado hoje uma das brincadeiras mais sérias de Parintins, a Ilha do Boi-bumbá. E que pode ser resumida em versos de Lindolfo Monteverde: “Acorda morena bela. Vem ver o meu boi serenando no terreiro. É assim mesmo que ele faz, lá na fazenda, quando ele avista o vaqueiro.”
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