Jornalista especializado em turismo baseado na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo
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A Associação Folclórica Boi-Bumbá Caprichoso, conhecida como Boi Caprichoso, é uma das duas agremiações que competem anualmente no Festival Folclórico de Parintins, Município situado na margem Sul do Rio Amazonas, próximo à fronteira com o Estado do Pará. Alguns dizem ter ele quase 101 anos de idade, pois teria sido fundado em 20 de outubro de 1913.
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Outros, porém, reduzem isto significativamente, colocando no ano de 1925. Esta controvérsia decorre de que, no início, tanto o Caprichoso como seu contrário eram associações informais, sem registro legal. Assim, não há documentos comprovando a criação e muito menos seus primeiros passos como entidade. Como inexiste relatos escritos da presença dos mesmos nos parcos jornais que circulavam naquele período, o que se sabe é produto do esforço de pesquisa, a partir da tradição oral de pessoas de mais idade.
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São testemunhos de antigos membros dos dois conjuntos, e de moradores que acompanhavam as apresentações pelas ruas simples da cidade. Por exemplo: fala-se que a primeira data marca o batismo de um outro grupo, já desaparecido. Trata-se do Boi Galante, criado por Emílio Vieira, conhecido como Tracajá. Ele é citado em toadas compostas por Lindolfo Monteverde, pai do contrário atual, mostrando serem contemporâneos e sem rivalidade. E é esta animosidade entre o Caprichoso e seu contendor de agora que muito contribui para jogar mais confusão neste aspecto. Para ser enaltecido como o mais antigo, cada um defende os momentos mais remotos para a própria origem, em sua maioria sem qualquer comprovação. Fala-se ainda que os irmãos Félix Cid, João Roque Cid e Raimundo Cid, considerados os verdadeiros pais do Caprichoso, eram integrantes do grupo do Boi Galante.
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Tracajá teria abandonado a agremiação depois de uma briga séria com os três. E isto aconteceu em 1925. Quem sabe, eles, assumindo a direção, provavelmente rebatizaram o boi. E, com o passar do tempo, montaram a história de sua criação a partir de uma promessa para São João. Expulsos de Crato, no interior do Estado do Ceará, pela seca, cruzaram o Estado do Piauí, o do Maranhão e o do Pará, atraídos pela fama do Ciclo da Borracha.Encontrando abrigo em Parintins, acertaram com o santo: se alcançassem prosperidade, iriam montar um grupo de brincadeiras, para homenageá-lo toda noite do dia 24 de junho. Conseguida a benesse, cumpriram a palavra dada. E, para levar a frente aquela empreitada, uniram-se a José Furtado Belém. Tratava-se de um advogado que, mais tarde, fez carreira na política amazonense. Ele chegou a ser vice-governador do Estado do Amazonas.
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Certo dia, os três estavam na Praça 14, um bairro da cidade de Manaus, quando toparam com a linda apresentação de um boi pertencente à família Antares, com o nome de Caprichoso. O trio gostou tanto do que tinham visto que resolveu fazer uma homenagem dentro daquela promessa inicial. E assim surgia o Boi-bumbá Caprichoso de Parintins. A sede inicial ficou na Travessa Sá Peixoto, localizada na parte Leste daquela pequena vila. Mas, em 2013, descendentes de Luiz Gonzaga, paratinense sem relação com o “Rei do Baião” pernambucano, reivindicaram o reconhecimento do ascendente deles como criador do Caprichoso. Maria Inácia Gonzaga, filha, afirmou: “Os irmãos Cid fundaram o Boi Galante, em 1913. Meu pai, o Caprichoso, em 1925.” Maria do Carmo Monteverde, filha do fundador do contrário, confirmou: “Gonzaga e meu pai, Lindolfo, eram amigos.”
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Seja isto verdade ou não, o boi-bumbá Caprichoso começou sua trajetória que já dura quase um século mostrando inovações frente ao seu contrário. Suas cores, azul e branco, a denominação dos ritmistas do grupo, chamados de Marujada de Guerra, e as formas de apresentação remetiam a dois outros folguedos presentes na longa travessia os irmãos Cid entre a caatinga e a Floresta Amazônica: o bumba meu boi do Maranhão e a marujada do Pará.
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Com 20 integrantes, colocava na rua apenas Estrela Maior, Amo e pequena Vaqueirada. E instrumentos primários: xeque-xeque, chocalho de latas de leite com pedrinhas ou sementes dentro; matraca, tabuinhas ou argolas de ferro que, agitadas, produzem estalos secos; e paco-paco, cara de cavalo ou cachorro esculpida em madeira, cuja parte inferior da boca é móvel e, acionada por fio, bate na superior, provocando o ruído que lhe dá nome.
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O boi já trazia na testa e estrela azul, marca registrada que ostenta até hoje. Por décadas e décadas, todo ano, ia de casa em casa, representando aquele teatro simples, já bastante conhecido, mas que encantava a todos. E, mesmo defendendo as cores oficiais azul e branco, de repente ganha o apelido de “Diamante Negro”. Se seu contrário alcançava o sucesso por um lado, o Caprichoso seguia a mesma trilha por outro, dividindo o povo da cidade.
A animosidade e a rivalidade entre os dois grupos aumentavam, chegando, muitas vezes, às vias de fato quando, por ares do destino, se encontravam em algum ponto dos trajetos. Terminadas as apresentações, vinham aquelas discussões intermináveis, cada lado defendendo ter sido melhor, vencedor. Este embate diário, contínuo, impediu o surgimento de novos grupos. E a população acabou dividindo-se, não igualmente, entre as duas agremiações.Tentando diminuir a importância do contrário, teorias buscam valorizar a denominação Caprichoso. E passa a ter significado mais amplo, com o boi sendo formado apenas por aquele que é caprichoso, trabalhador e honesto.
O sufixo “oso”, anexado à palavra “capricho”, a transforma para “provido ou cheio de glória, primoroso em sua arte”. Fica claro que, no embate com os adversários, a humildade é a primeira a ser fragorosamente derrotada. Logo, uma saída por ano, apenas, não é mais suficiente. E o Caprichoso começa a fazer festejos particulares. Para isto, precisa de uma casa só sua. Ora, casa de boi é curral, e é assim que o local passa a ser chamado. O nome oficial é Zeca Xibelão, homenagem ao primeiro tuxaua (cacique, morubixaba, chefe) do boi-bumbá Caprichoso, falecido em 1988, E, é claro, está localizado na parte azul da crescente área urbana de Parintins.
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Como a importância das apresentações dos boi-bumbá já extrapolaram em muito os limites do Município, do Estado e até do País, tanto o Governo do Estado quanto a Prefeitura local veem naquelas manifestações populares uma excelente forma de incrementar o turismo. E assim, em 1967, surge o Festival Folclórico de Parintins. O Caprichoso e seu contrário começam a se apresentar num espaço específico, e não saem mais a esmo, pelas ruas. Era um espaço rústico, todo erguido em madeira. Na primeira edição, não houve julgamento, para mostrar o vencedor. Isto só acontece a partir de 1968. E sua primeira vitória vem em 1969. De lá até agora, são 19 títulos, incluindo o empate ocorrido em 2000. As exibições em local, e seguindo normas a serem obedecidas, as quais serviam para os julgadores determinar o melhor, deram início a um enorme ciclo de transformações nos dois bois.
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As regras podiam até serem rígidas, mas não tinha capacidade de limitar a criatividade na construção das alegorias e das fantasias, além de, muito menos, engessar as coreografias. E tanto o pessoal do Caprichoso quanto do seu contrário aproveitavam as brechas para chamar atenção das suas fiéis torcidas e ampliar seu destaque frente à bateria dos jurados. Estes, a cada edição, eram mais rigorosos na observação dos mínimos detalhes. Se, durante a de 1970 e até quase ao final da de 1980, as mudanças eram mínimas, a partir da inauguração do Boibumbódromo oficial a coisa muda de figura. O novo espaço, com estrutura em concreto armado, como que profissionalizou de vez as apresentações. E tanto o Caprichoso quanto seu contrário deram início ao um ciclo de novidades ano a ano. Ao surgirem, são minimizadas, criticadas, pelo oposto, mas este logo a adota também. Cresce em importância a representação do Levantador de Toadas. É ele que, com voz afinada, tem a missão de entoar as canções que sustentam o espetáculo, por toda sua duração, dando harmonia ao desenvolvimento do tema. Sua presença vem desde o início, quando o boi saia na rua. Eles eram responsáveis, também, por entoar declarações de amor ao próprio boi e versar provocações, gozações e lançar desafios provocando os contrários.
E o jovem Arlindo Júnior, ao assumir o posto de Levantador de Toadas do Caprichoso, em 1989, inicia um trabalho de envolvimento da galera, ou seja, dos seus torcedores, na performance do boi. Munido de placas para sinalização, coordena as arquibancadas na execução de coreografias com as mãos, gestos simples mas de grande efeito visual. E isto é responsável por transformar a década de 1990 na melhor época da história do Caprichoso.
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De 1990 a 1999, ganhou seis dos 10 festivais disputados, perdendo apenas os de 1991, 1993, 1997 e 1999. Em 1991, foi muito prejudicado pela forte chuva, que destruiu suas alegorias. Em 1993, segundo seus seguidores, foi injustiçado, opinião contestada pela turma do contrário, é claro! Em 1997, os pontos dados à apresentação na arena o tornaria, novamente, campeão. A derrota veio de uma penalidade imposta ao apresentador Gil Gonçalves. Se isto não tivesse acontecido, em 1988, o Caprichoso teria alcançado um pentacampeonato, igualando um feito exibido com muito orgulho pelo seu contrário: até hoje, é o único boi a vencer cinco vezes seguidas o Festival. Estes revezes fazem o boi azul e branco buscar novas veredas de inovação. E elas agora vão envolver a criação das toadas, as músicas que são o eixo das apresentações. A partir do final dos anos 1980, o paradigma é mudado.Até aquele momento, as letras sempre exaltavam o boi e os personagens, como Pai Francisco e Sinhazinha, além da cultura cabocla parintinense.
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No início dos anos 1990, a temática indígena do Amazonas começa a ser introduzida nos versos, com sucesso, pelo boi Caprichoso. E a presença na arena ganha mais força ainda com o advento dos rituais indígenas. Virando pelo avesso a mesmice anterior, logo tornam-se o ponto alto do Festival. O boi Caprichoso foi o que melhor utilizou a temática. E alcançou grande destaque a partir dos sucessos de crítica e público conseguidos por toadas de temas indígenas. A partir deste patamar, o grande público de Manaus, que até então dava uma atenção tímida ao ritmo, abraçou aquelas canções.
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E elas acabaram tornando-se símbolos da cultura amazonense. Daí para alcançar todo o País, e indo até para o mercado internacional, foi um pulo.Em 1994, o Caprichoso deu um espetáculo inesquecível com belíssimas alegorias, tudo culminando num momento mágico: o ritual indígena. Foram encenados “Unankiê”, “Fibras de Arumã” e “Urequeí”. Logo a seguir, o Grupo Canto da Mata, integrado por Alceo Ancelmo, Mailzon Mendes e Neil Armstrong, daria início a outro estilo, e este também seria tomada pelo grande público, tanto em Parintins quanto em Manaus a Toada Comercial.Em 1995, outros três rituais indígenas: “Lagarta de Fogo”, “Templo de Monan” e “Kananciuê”, este último, realmente, inesquecível. Ele mostrava um Urubu-rei em luta com o Pajé, representado por Valdir Santana. Em determinado momento da exibição, a Marujada parava e ficava em silêncio.
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E, pela primeira vez, ouviu-se um diálogo neste tipo de apresentação. O Pajé perguntava “Onde está a luz?” E o Urubu-rei respondia: “Eu não sei.”No momento em que o Urubu-rei era derrotado, um espetáculo pirotécnico brotava de dentro da alegoria, representando a libertação da luz. Era um momento de delírio e êxtase para a galera do Caprichoso, uma vez que, como de praxe, a do contrário, também presente, não se manifesta. Pode até estar gostando, mas é proibida de mostrar isto em público. Isto faz parte da forte rivalidade entre os dois grupos, e que se tornou um charme da cidade.Naquele mesmo ano, com o advento de teclados, usados pela primeira, quase que escondidos, em 1994, o grupo compôs “Canto da Mata”, toada homenageando o trabalho que faziam. A explosão nas rádios, e também fora delas, ajudou o Caprichoso a vencer o Festival. Em 1996, apareceram os medleys, mistura de vários arranjos, durante os quais a galera executava coreografias com os braços, causando grande impacto nas arquibancadas.
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O espetáculo ganhou uma dimensão tão espetacular que o criador daqueles efeitos, o Levantador de Toadas Arlindo Júnior, sentenciou: “Nossas bandeiras são nossos os braços.” Em 1997, outro fenômeno toma conta do Amazonas: “Ritmo Quente”. Mantém seu sucesso nos ensaios e eventos turísticos da capital, como Boi Manaus e Carnaboi, até os dias de hoje. É a partir daí ano que o Caprichoso, então, adota o slogan “O boi de Parintins”.Aliás, desde 1997 também, o Caprichoso mantém, através de sua fundação, a Escola de Artes Irmão Miguel de Pascalle, conhecida como Escolinha de Artes Caprichoso, criada na gestão do então presidente Joilto Azêdo. De forma tímida em seu início, como um projeto experimental, envolvia cerca de 50 crianças. Nos dias atuais, atende mais de 700 jovens entre sete e 20, com iniciação artística, apoio aos esportes e auxilio para o reforço escolar.
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Esta ação já supre a demanda interna do Caprichoso em todos os setores que concorrem no Festival, especialmente na parte artística e musical. Para participar das atividades e laboratórios da escola, é preciso apenas estar matriculado na rede de ensino formal. E o mais incrível: para serem aceitas, as crianças e os adolescentes não precisam torcer para o Caprichoso. Tanto isto é verdade que a escola já revelou artistas que foram para o contrário.
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E assim foi-se colecionando vitórias e mais vitórias do boi Caprichoso: 1974, 1976, 1977, 1979, 1985, 1987, 1990, 1992, 1994, 1995, 1996, 1998, 2000, 2003, 2007, 2008, 2010 e 2012. A coleção de nomes à frente da sua direção também é enorme. Aos pioneiros Félix Cid, João Roque Cid e Raimundo Cid vieram juntar-se Emídio Vieira Antônio Boboí, Ervino Leocádio, Luiz Gonzaga, Luís Pereira, Nascimento Cid e Nilo Gama.
Depois que a entidade foi formalizada, vieram os presidentes: Acinélcio Vieira, Queiroz Filho, Geraldo Soares de Medeiros, João Batista de Andrade Netto, Irineu Teixeira, Rubens dos Santos Ray Viana, Joilto Azêdo, Dodozinho Carvalho e César Oliveira. Entre os períodos de Ray e Joilto, os destinos do Caprichos estiveram sob os cuidados de uma Junta Governativa, recuperando a entidade de um período de muitas dificuldades.
Aquele boi promessa, surgido num quintal de terra batida, desfilando pelas ruelas, à noite, sob a luminosidade da Lua e das tochas de lamparinas, é agora um espetáculo sem igual: apoteótico, dinâmico, rico, vibrante... Sob os aplausos de todos os que assistem estarrecidos àquela obra grandiosa produzida por gente tão simples, tornou-se uma marca para a difusão dos melhores valores do Estado do Amazonas. O que também é o seu contrário.
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